“O futebol é a cerveja do brasileiro”
Quem sabe a cachaça, mas que ninguém venha com essa história de ópio do povo porque não cola. Ninguém nem sabe o que é ópio aqui por estas bandas...
Mas a relação do futebol com as drogas é pertinente, afinal drogas nada mais são do que substancias que o homem consome para sentir prazer, seja euforia, alucinação ou a cura de alguma dor. Há economistas, inclusive que associam o aumento do número de torcedores no estádio ao aumento do pagamento de impostos pelo trabalhador, mas enfim, isto deixo para a economia, o que quero falar aqui é sobre as cenas patéticas que vi ontem.
Parecia mesmo uma multidão de viciados na porta da “boca” a mendigar por um tapinha, e um tapinha mesmo, na cara ainda mais. Já dizia uma grande cantora da musica brasileira em suas sabias letras: “dói, um tapinha não dói”. Mentirosa!
Dói, e como dói.
Quem chegou perto da hora do jogo começar viu 10% das bilheterias funcionando, filas absurdas sem justificativa para se comprar um ingresso com o preço inaceitável de R$ 30,00. Fora isso, estavam os cambistas, oferecendo suas centenas de ingressos à “bagatela” de
R$ 25,00, sem filas, sem espera. O único problema é que era ingresso de estudante que eles estavam vendendo, vendidos, de acordo com o direito do cidadão, pela metade do preço.
Os inúmeros esperançosos de, pelo menos, entrar no estádio, puderam ouvir pelo rádio o gol de abertura do placar: do adversário. Parecia que estava sendo celebrado há poucos metros dali, no gramado, não um espetáculo de futebol, mas um velório, tamanho o silêncio da torcida. A informação, em seguida, era a de que o placar estava 2x0 para a Ponte e o CRB ainda havia perdido um pênalti, notícia esta, depois descobri, ser falsa, mas até o momento era a dura e crua realidade.
Mesmo assim, ninguém arredava o pé da fila, entrar no estádio era questão de honra, o CRB precisava da presença de cada um lá dentro, “sem mim, o CRB não é nada”, “comigo lá dentro o Galo não perde”... quiséramos nós...
Pois perde, e como perde.
Sentei no canteiro da Siqueira Campos e fiquei observando aqueles torcedores abnegados na luta épica pelo direito de assistir seu time jogar. Quando um e outro conseguia, ou vencendo a fila quilométrica, ou abrindo mão da dignidade e comprando de algum cambista, se via um individuo saltitante e apressado rumo à entrada das arquibancadas. Não importava o placar, não importava a certeza de se estar pagando para se decepcionar, o importante era entrar, ver com os próprios olhos (e só assim, segundo o ditado, o coração sente), mas mais importante do que isso, o mais importante era xingar, gritar, derramar a lágrima, sofrer, ser aquilo que ele se propôs a ser ao sair de casa: torcedor.
Observei também um casal, o homem segurava a mão de sua parceira e não acreditava no que via. Imaginem: um homem vive falando de um amigo para a sua namorada, um amigo fiel, bem humorado, amigo este que ele não troca por nada e por ninguém (exceto por você, meu amor!), amigo que é forte, poderoso, tem sucesso em tudo o que faz. Daí o homem convida a mulher a ir à casa desse seu famoso amigo (que inclusive ela não consegue entender a respectiva admiração), e quando chegam lá, dão ambos com a porta na cara.
Constrangimento, era o que se via, claramente, no rosto do tal homem. A sensação inquietante de ser desprezado por quem se tem tanta admiração, ridicularizado, humilhado pelo seu grande amigo, pelo qual fez tantos sacrifícios. Além do constrangimento se via também no rosto do homem, esperança, não de ver o Galo ganhar, mas de simplesmente sair daquela situação constrangedora. Ele caminhava para um lado e para o outro, tentando distrair a mulher e vira e mexe, como não quer nada tentava negociar um preço com um cambista.
Sem sucesso!
Foi-se embora, por fim o tal homem e sua namorada (esta, agora, certamente entendendo menos ainda a paixão alucinada do seu querido). Afinal, é difícil mesmo de entender. Quem pode ser apaixonado por pagar caro, por um produto ruim e ainda ser mal tratado? Dificil mesmo... e mais... quase esqueço, caía do céu muita água nesse dia. O torcedor mais brega diria que os deuses choravam aquelas estapafúrdias cenas.
Por isso a alusão com a droga parece, neste momento, para mim, fazer sentido.
Ninguém estava ali porque queria, de livre e espontânea vontade. Ninguém estava ali se pudesse deliberadamente estar em outro lugar, ninguém estava ali por qualquer motivo senão pelo fato de precisar estar ali.
É isto mesmo, o torcedor precisa estar no estádio, senão, ele morre, enquanto torcedor. Perde a razão de ser, de existir. Já pensou em cada uma das coisas que você faz ou tem, e que dão sentido à sua vida? Comer, beber, sexo, dinheiro, família, esportes, sei lá, qualquer coisa. Agora imagine você retirando da sua vida, uma coisa de cada vez, que coisa seria a essencial? Aquela que você não poderia abrir mão de jeito nenhum. Tipo aquela brincadeira de se perguntar para alguém: “se você fosse para uma ilha deserta e pudesse levar uma única coisa, o que levaria contigo?”.
Gostamos de fazer muitas coisas, fazemos outras que não gostamos, algumas delas são essenciais, outras não. A questão é que em cada uma das coisas que fazemos somos como uma pessoa individual para aquilo e se deixamos de fazer, aquele “eu” deixa de existir. Morre.
O torcedor, precisa ser torcedor, para, simplesmente, o ser.
Afinal,
O que seria do torcedor, sem torcer?
Torcer, no Brasil, agora remeto à economia, é como um imposto que todo mundo chora, mas sempre acaba pagando!