
No Brasil costuma-se dizer que um bêbado jamais admite que assim o está.
Imagino que seja porque um bom beberrão quando dá o primeiro gole da noite (ou do dia) começa uma batalha com o álcool para ver quem acaba primeiro. Se a cachaça ou ele, deitado em algum lugar, propulsando liquido biliar. A cada copo a mais, ambos ficam debilitados: o bebum pela ida da bebida e esta pela ida do bebum. A diferença é que a bebida se sabe pra onde vai, já o bebum...
Aquele que bebe sente um misto de ternura e ódio pela “márdita”, ao mesmo tempo que quer derrubá-la, quer sua companhia. Um apreciador da bebida nunca quer ficar sem ela, porém não há maior glória do que secar uma garrafa, ou várias caixas delas, beber tudo até que não se possa mais beber, ou por falta de sanidade ou de embriaguez.
Porém, neste misto de sentimentos, antes derrotá-la do que ser subjugado por ela. É muito melhor dizer que acabou com todas as bebidas da geladeira, do bar e da adega, do que dizer que acabou bêbado, dormindo na sarjeta de um lugar qualquer.
E é exatamente por isso, que nenhum bêbado, segundo diz o ditado, admite a sua bebedeira, pois fazê-lo seria admitir a derrota na batalha frente à sua companheira.
Desta forma, hoje posso dizer que encontrei um homem honrado. Que perde, mas admite a derrota assim como se vangloria de uma vitória quando a conquista. Pois assim é a vida, um dia se perde, no outro se ganha.
Estava eu na fila para comprar uma passagem para Valencia, quando um senhor apareceu, cambaleando, como um pseudo-dançarino que não rompeu a seqüência da noite anterior. Estava ele com seus óculos de arquiteto, cabelo de diretor de cinema, brinco de estilista, camisa de clubber, calça de DJ e bota de West Guy, totalmente moderno, no auge dos seus 40 e poucos anos. O tal figura me olhou nos olhos e disse uma única, profunda, sincera e inédita palavra: “Borracho!”.
Mal sabia ele que nem precisava dizer.
Em seus olhos estava a tristeza da derrota, mas a honra de um homem que perde, que leva uma rasteira, mas cai de pé (não necessariamente em seu sentido literal).
Se fosse no Brasil, pensei, a mesma cena seria protagonizada por um maltrapilho, cantando alguma canção de Reginaldo Rossi ou algo assim, dando entre uma palavra mal pronunciada e outra uma saborosa gargalhada, contando histórias fantásticas de que conhece fulano e beltrano, que já almoçou na casa do Roberto Carlos e jurando que o governador do estado é seu amigo intimo.
Estaria com sua amanhecida barba, seus cabelos semi dreadlocks, um olho aqui outro ali, e, eu seria capaz de apostar, uma camisa do flamengo. Estaria com tudo isso, menos alguns dentes, nove´s fora...
Nada de admitir a beberreira
Diria em alto e bom som para que todos ouvissem: “Tô bonzim, bonzim!”
Se por um lado os bêbados tupiniquins não admitem nunca que estão bêbados, não assumindo a honra de fazê-lo, por outro lado protagonizam a graça e o brilho de uma bebedeira.
Afinal, mesmo na derrota, somos brasileiros, e não desistimos nunca.